“Não,
não é tudo um acaso. Se fosse, o universo nos abandonaria à própria sorte. E o
universo não faz isso. Ele cuida das suas criações mais frágeis de forma que
não vemos”.
Não tem como falar do livro Extraordinário sem fazer um trocadilho com seu título. Vários
adjetivos poderiam descrever essa obra, e garanto que seriam todos extremamente
positivos, já que o livro facilmente entrou para a minha “listinha que não para
de crescer” de favoritos.
Conhecemos aqui o extraordinário August Pullman, o
Auggie, que está prestes a começar o quinto ano do colégio. Isso seria normal,
se não fosse o fato de que ele nunca foi à escola antes e também de que seu
rosto é... diferente.
Auggie nasceu com uma condição genética que deformou
sua face, e, mesmo sendo ainda uma criança, já passou por vinte e sete
cirurgias e, ainda assim, tem a face muito incomum, à qual as pessoas não
conseguem olhar sem perceber.
Ele se acostumou com os olhares, com as expressões
de receio e até medo, e com os cochichos quando passa, porém, ir para a escola
é um grande passo. Antes, sua mãe lhe dava aulas em casa, então, enfrentar
inúmeras crianças nos corredores e nas salas de aula certamente será um novo
desafio para August, que possui alta experiência de vida para alguém com pouco
mais de uma década.
“As
coisas que fazemos sobrevivem a nós. São como os monumentos que as pessoas
erguem em honra dos heróis depois que eles morrem. Como as pirâmides que os
egípcios construíram para homenagear os faraós. Só que, em vez de pedra, são
feitas das lembranças que as pessoas têm de você. Por isso nossos feitos são
nossos monumentos. Construídos com memórias em vez de pedra” (Pág. 72).
O livro é narrado em oito partes, sendo algumas
delas em primeira pessoa pelo próprio August, e outras por alguns de seus
amigos e até mesmo por sua irmã.
Com capítulos curtos e narrativa simples, as
páginas correm sem que notemos. August é um dos personagens mais bonitos que
conheci, e não digo isso apenas contrastando ao fato de sua aparência ser
descrita como tão feia, mas digo isso pela beleza como ele conduz sua vida.
Na maior parte do tempo, August se aceita e até
lida com bom-humor com sua aparência, porém, há momentos, em que seu coração
tão jovem chora, com medo e sem entender por que isso aconteceu com ele, por que seu rosto é assim.
“Não
sei bem por quê, mas, de repente, comecei a chorar. Mamãe abaixou o livro e me
abraçou. Não parecia surpresa por eu estar chorando.
–
Tudo bem – ela disse baixinho em meu ouvido. – Vai ficar tudo bem.
–
Desculpe – falei, entre fungadelas.
–
Shhh – sussurrou mamãe, limpando minhas lágrimas com as costas da mão. – Não
tem por que se desculpar...
–
Por que eu tenho que ser tão feio, mamãe? – murmurei (Pág. 66).
Diversas vezes sentimentos nosso coração doer ao
presenciar certos momentos difíceis que August encontra ao entrar para o
colégio. Injustiça e preconceito mostram como é difícil para que o diferente
seja aceito. Algumas pessoas têm medo até de tocá-lo. Contudo, bondade,
amizade, valores familiares, humildade, coragem e boa vontade podem mostrar que
o mais feio pode ser o mais belo, o mais legal, o mais extraordinário. Wonder, como no título original.
August quer participar, fazer amigos, viver sua
infância como qualquer outra criança, mesmo seus desafios sendo maiores. Ele
tem uma ótima família, que o ama incondicionalmente e o ajuda a enfrentar os
problemas, além disso, ele consegue fazer alguns amigos no colégio, e outros,
que podem não ser tão amigos quanto ele pensava.
Sua festa favorita é o Halloween, pois ele pode
colocar uma máscara e sair por aí, sendo uma pessoa normal, deixando de ser
julgado ou observado o tempo todo. Mas o primeiro Halloween no colégio não sai
como ele esperava.
Belas passagens do livro também estão contidas na
parte narrada por sua irmã Olivia. Ela mostra seu ponto de vista, como vê o
August, como o ama, e como precisou entender muito cedo que não seria o centro
das atenções em casa, que teria de se virar sozinha, pois seus pais estariam
sempre ocupados com Auggie. As lições de vida são inúmeras e colocadas de uma
forma que, sem perceber, suavizam a narrativa e fazem com que nos apeguemos
ainda mais aos personagens.
“A
mamãe e o papai sempre disseram que eu era a menininha mais compreensiva do
mundo. Mas a questão é que eu apenas entendia que reclamar não adiantaria nada.
Eu vi August depois das cirurgias: seu rostinho inchado e enfaixado, seu
corpinho cheio de cateteres e tubos para mantê-lo vivo. Depois que você vê
alguém passando por isso, parece loucura reclamar por não ter ganhado o
brinquedo que pediu ou porque sua mãe perdeu a peça da escola. Aprendi isso aos
seis anos. Ninguém nunca me disse. Eu simplesmente soube” (Pág. 89).
Confesso ter me emocionado em cada página, da
primeiríssima até a última linha do texto. Eu aprendi a amar o Auggie e sua
luta, e passei a achá-lo tão lindo, que me senti tão feia. Meu rosto não é
deformado como o dele (aliás, a descrição de sua face pode ser chocante em
certos momentos), mas meu coração também não é tão puro, nem minha visão de
vida tão otimista e divertida como a dele. Cheguei à conclusão de que, para
sermos belos, deveríamos todos ser um pouquinho parecidos com August Pullman.
Mais alguns trechinhos para apreciar:
“Não precisamos dos olhos para amar, certo? Apenas
sentimos dentro de nós. É assim no céu. É só amor. E ninguém se esquece de quem
ama” (Pág. 233).
“Se cada pessoa nesse auditório tomar por regra
que, onde quer que esteja, sempre que puder, será um pouco mais gentil que o
necessário, o mundo realmente será um lugar melhor. E, se fizerem isso, se
forem apenas um pouco mais gentis que o necessário, alguém, em algum lugar,
algum dia, poderá reconhecer em vocês, em cada um de vocês, a face de Deus”
(Pág. 303).
“Toda pessoa deveria ser aplaudida de pé pelo menos
uma vez na vida, porque todos nós vencemos o mundo” (Pág. 313).
“Sei que não sou um garoto de dez anos comum. Quer
dizer, é claro que faço coisas comuns. Tomo sorvete. Ando de bicicleta. Jogo
bola. Tenho um Xbox. Essas coisas me fazem ser comum. Por dentro. Mas sei que
as crianças comuns não fazem outras crianças comuns saírem correndo e gritando
do parquinho. Sei que os outros não ficam encarando as crianças comuns aonde
quer que elas vão (...). Mamãe e papai também não me acham comum. Eles me acham
extraordinário. Talvez a única pessoa no mundo que percebe o quanto sou comum
seja eu” (Pág. 11).
Informações:
Título:
Extraordinário
Autora:
R. J. Palacio
Gênero: Drama, literatura infantojuvenil
Editora:
Intrínseca
Páginas:
320
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