“Diz um velho pescador que há um tempo que não se conta, por aquelas bandas, existiu um jovem rapaz que costumava caminhar a beira-mar em todo fim de tarde. Ele levava sempre consigo uma gaita e a tocava, enquanto contemplava a imensidão das águas e o vazio do horizonte.
O rapaz disse ao sábio que seu coração o guiara até aquela praia. Então, ele ia para lá, todos os dias, na esperança de encontrar os motivos.
Até que um dia, do mar ela surgiu. Uma bela moça. Alguns dizem por aí que era uma sereia. Outros dizem que era um anjo do mar. Mas para aquele rapaz era apenas a dona do seu coração. Uma vez ao ano, ela surgia e o arrastava até as profundezas. Então, juntos, eles contemplavam as maiores maravilhas da natureza: o mundo que existe abaixo das águas do oceano, onde nenhum ser humano jamais estivera.
Em todos os outros dias do ano, o rapaz sentava-se junto a um rochedo e tocava sua gaita. Ele sabia que a moça podia ouvi-lo, de onde estivesse. Ele apenas gostava de tocar para ela... E, a cada pôr-do-sol em que ela não vinha, ele derramava uma lágrima no oceano, que se mesclava por entre as águas infinitas.
Por décadas, eles encontraram-se apenas uma vez ao ano. Até que a moça não apareceu. No ano seguinte, ela também não veio; nem no próximo...
Anos se passaram sem que ele tivesse notícias de sua amada. Ele já estava velho e cansado, quando, deitou-se na areia da praia e pediu que o mar carregasse seus olhos para que ela pudesse encontrá-los. Dona de tudo o que ele já havia visto de mais belo, ela continuaria a guiá-lo por entre as mais lindas e inexploradas maravilhas da natureza. Assim, há um tempo que não se conta, nasceu, junto ao mar, a saudade e também o primeiro ser humano que não era mais dono de sua visão”.
Maria Isabel, a coordenadora do grupo, fechou o livro escrito em braile, dizendo:
— Essa é a lenda dos olhos e da saudade. Ela nos faz imaginar a vida do primeiro deficiente visual que existiu no mundo. Claro, é só uma história. Como temos observado ao longo de nossa reunião, assim como o rapaz da lenda, nós também vemos o mundo, apenas de forma diferente...
Verdade ou não, em certo canto do mundo, em uma praia distante de tudo, os viajantes costumavam dizer que podiam ouvir o som de uma gaita a tocar, sem que ninguém estivesse por lá...
Os Contos de Libertação são publicados no Jornal O Popular, de Mogi Mirim, e no blog Reino Xadrez.
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