Contos de Libertação - Conto 2: O mar da gente é a gente que faz

4 comentário(s)


(Anteriormente) — Boa tarde a todos. Como sabem, nossas reuniões ocorrem semanalmente, e recebemos deficientes visuais de todos os bairros da cidade. Cada um é livre para falar o que desejar, e se expressar como bem entender. Sou Maria Isabel e irei coordenar o grupo.

***

Após o depoimento de Frederico, sobre o cavalo branco e a campina de flores, que trouxeram liberdade e cor à sua alma, mais alguém tomou coragem e admitiu:
— Eu também tenho sonhado. Na verdade, sonho desde sempre, com a mesma coisa.
Admirada que o rumo da reunião tivesse seguido a trilha dos sonhos, e por que não dizer, das flores, Maria Isabel disse:
— Minha querida, adoraríamos ouvir sobre seu sonho recorrente. Primeiro, diga seu nome.
— Sou a Dalila. Tenho oito anos, e nasci assim, com os olhos fechados para o mundo, exceto nos meus sonhos. Como vocês, eu sou capaz de ver tudo com as palmas das mãos. Embriago-me com cada novo odor. Mas o mais especial para mim é que, quando sonho, sou livre.
Emocionada, Maria Isabel pediu que a pequena e doce Dalila continuasse.
— Quando eu era muito pequena, meus pais me levaram para conhecer o mar. É claro que eu não poderia vê-lo, mas poderia sentir sua brisa, ouvir seus sons... Entretanto, isso foi há alguns anos, e não tenho memórias do oceano. Eles apenas contaram-me sobre a visita ao mar. Eu não tenho recordações sólidas...
Todos ouviam com atenção a garota, que era a única criança a participar da reunião. Com a voz tomada por uma suave ternura infantil, ela prosseguiu:
— Entretanto, sem que minha mente se recorde, o meu coração o faz... Eu sonho, há muitos anos, com o mar. E eu sou capaz de vê-lo em meus sonhos. Quando acordo, continuo sentindo o cheiro do sal, e o frescor dos ventos oceânicos.
— Como exatamente são os seus sonhos, minha querida? – perguntou Maria Isabel.
— É sempre um fim de tarde. A praia está deserta e a maré está baixa... Eu ando, descalça, pela areia molhada. Meus olhos estão mais abertos que nunca. Então, eu chego perto da água e refresco meus pés. Sinto a alegria e a liberdade invadirem cada célula do meu corpo. Olho ao meu redor. Sinto que o mundo todo é a minha casa. Uma suave brisa me envolve. Fico instantes sem fim a contemplar as águas, e a balançar... Seguindo o ritmo das ondas incessantes... Meu coração conhece aquele ritmo. Ele e o mar são velhos conhecidos. A dança das ondas produz uma música que me envolve nos braços da paz... As gaivotas chegam ao cenário e me fazem viajar, junto de suas asas. É como se, de alguma forma, eu pudesse voar... Então, o sonho vai chegando ao fim, e eu sei que é hora de fechar os olhos novamente: é hora de acordar. Mas não fico triste. Sei que tudo está a me esperar nos sonhos e o mar vive em mim. As ondas, na verdade, são como minha alma: calmas, em um fim de tarde tranquilo. Elas estão ali para dar movimento e graça aos meus sonhos. Sei que assim sou para o mundo. Eu sou as ondas, eu sou o mar.
Espantada com a sabedoria da doce menina, Maria Isabel a cumprimentou pelo lindo relato, que preencheu de paz o coração de cada membro daquela reunião de deficientes visuais.   
Entretanto, o assunto não havia acabado. Antes que a coordenadora do grupo pudesse perguntar quem seria o próximo a falar, um jovem rapaz, disse:
— Sou o Jonatas, e assim como o Frederico e a Dalila, também sou livre em meus sonhos... Aproveitando o relato de nossa caçula, quando ela mencionou as gaivotas, lembrei-me de que, em meus sonhos, posso voar...
— Conte-nos mais – pediu Maria Isabel.
Com um sorriso no rosto, Jonatas continuou...



Continua na próxima semana...


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Os Contos de Libertação são publicados no Jornal O Popular, de Mogi Mirim, e no blog Reino Xadrez

4 comentários:

Arcano 9 disse...

Como assim continua? Oque Jonatas vai contar? Oh god! Que suspense! ^.^

Fabiane Ribeiro disse...

hahahahha...visite o blog na próxima semana e/ou compre o jornal...

Paul Law disse...

É o primeiro contato que tenho com suas palavras, Fabiane. É muito agradável estar nelas, conferir como o psicológico dos personagens é retratado no conto. Há algo a mais, algo importante a ser passado.

O tema é emocionante e a trama se desenrola de forma natural, parabéns!

Que legal saber que sai no jornal! Um abraço!

Fabiane Ribeiro disse...

Oi Paul!
Muito obrigada! Fiquei feliz que você tenha gostado, principalmente por se tratar de um amigo escritor!

um abraço,
Fabi

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